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Fátima e Cultura
Urge desenvolver e apoiar a Cultura
O InforCEF convidou o Prof. Rafael Carriço, bailarino e coreógrafo premiado internacionalmente, a apresentar aos nossos leitores a sua experiência profissional enquanto produtor e promotor cultural.
1. O que representa para si a cultura?
A palavra Cultura, mediante os termos a que se associe (cultura popular, cultura erudita, cultura geral, cultura artística), poderá assumir diversos sentidos. Numa vertente artística, a cultura para mim é, para além de uma forma de vida, dada a profissão que exerço, um veículo de mudança das mentalidades e de orientação de sensibilidades. Tanto para os artístas, que transmitem algo com a sua arte, como para o público que é confrontado com questões que à partida nem colocaria.
2. Quando é que descobriu o seu interesse pela cultura em geral e pela dança em particular?
Desde pequeno que a cultura influiu na minha educação. Fiz o consevatório de Música e, por essa altura, no 6º grau, ao estudar a corte de Luís XVI e os Ballets de Cour, descobri uma outra arte igualmente fascinante, a Dança. Até que, no 2º ano de Engenharia Mecânica do ISEL, decidi mudar, e seguir o curso de Dança, licenciatura no ramo de espectáculo da ESD (Escola Superior de Dança de Lisboa). Consolidei os meus estudos em Dança na Holanda, na Hoggenschool Dansacademie e com diversos cursos intensivos, Workshops e seminários como o que fiz com Richard Alston na Escola Place, Londres.
3. O que pensa da cultura como entretenimento?
A cultura, a dança e as artes performativas em geral devem ter a função de entretenimento, sem dúvida, mas não de uma forma vazia. Todas as suas outras funções de formar, educar, sensibilizar, questionar, confrontar , satirizar...deverão fazer parte desse entretenimento. Deverá existir sempre o meio termo entre o “levanta-te e ri“ e o “senta-te e chora”. Nem sempre o público tem de rir de forma desenfreada por uma piada que qualquer miúdo de dez anos atinge, nem, por outro lado, exteriorizar o que não sentiu ou não percebeu em determinado espectáculo. Com isto quero dizer que é importante que as pessoas vejam um pouco de tudo e que aprendam a sentir o rumo do trabalho a que estão a assistir. No caso da Dança, se por vezes é interessante desvendar no desenrolar da acção a temática que vem no programa, outras, é bom deixarmo-nos levar pelas emoções ou simplesmente pelo desenho coreográfico dado pelos corpos que se movem.
4. Que obras de referência elege?
Na minha área há tantas obras que considero de referência que é difícil, mas, uma contemporânea, “Falling Angels”, coreografia de Jiri Kilyan, uma temporalmente anterior, “Acts of Light”, de uma das pioneiras da dança moderna americana, a coreógrafa Martha Graham.
Há um outro coreógrafo que tenho de referir, bastante actual, que é o francês Joseph Nadj, com uma obra em especial que é “Le Crie du Camaleon”.
O último solo coreografado e dançado por Bill T Jones, “Chaconne”, considero-o não só uma referência mas um exemplo de vida. Foi um privilégio vê-lo ao vivo na presença da Princesa Carolina do Mónaco e do estilista Karl Lagarfel.
5. O Rafael, juntamente com Cláudia Martins, bailarina e coreógrafa que também já leccionou na nossa escola, apresenta uma carreira internacional recheada de sucesso, embora estranhamente pouquíssimo divulgada no nosso país. Encontra razões para tal facto?
Poderíamos apontar a velha razão de que o que vem de fora merece mais consideração por parte dos produtores, vereadores da cultura, etc. Mas há outro aspecto bastante relevante que tem a ver com a falta de formação e conhecimentos na área, de muitas pessoas que estão à frente destes cargos. Há de facto o fascínio pela grande produção, muitas vezes de qualidade duvidosa, de custos avultados, cuja concepção daria para, em vez de um, se fazerem dez espectáculos com companhias portuguesas. Também há outra questão que passa pela apresentação da Companhia, em Lisboa. Será num teatro de algum impacto (não posso mencionar de momento), mas a nossa produtora está a trabalhar nisso.
Depois, no processo de trabalho e criação artística a maioria dos coreógrafos e companhias estão centralizados em Lisboa, o que não ajuda nada na descentralização desta arte e do que ela tem para dar de bom, não só nos espectáculos mas em todo o processo criativo. Provavelmente na pergunta anterior deveria ter respondido que utopia são os apoios à descentralização da Dança.
Mas existem sempre aspectos positivos e eles são os espectáculos que já fizemos no CAE – Centro de Artes e Espectáculos – da Figueira da Foz, no Algarve, Açores e Madeira.
6. Pensa existir em Fátima sensibilidade para o consumo de bens culturais?
A sensibilidade existe em qualquer ser humano – mais ou menos apurada, mas existe.
Porque não existiria em Fátima? Certamente, falta é desenvolverem-se e apoiarem-se esses “bens” culturais...
7. Qual é a sua opinião sobre o apoio da Junta de Freguesia de Fátima e da Câmara Municipal de Ourém à promoção cultural?
Como sabe, a Junta de Freguesia mudou há relativamente pouco tempo. Culturalmente, no sentido artístico da palavra ainda não vi mudanças; vamos ver o que o futuro nos revela. Eu, pessoalmente, não tenho grandes esperanças.
Relativamente à promoção cultural feita em Fátima por parte da Câmara, não tem existido qualquer tipo de apoio às entidades culturais (profissionais) locais, nem existido qualquer tipo de programação de eventos de verdadeira qualidade artística.
8. Em seu entender, quais deveriam ser as prioridades culturais em Fátima?
Não só em Fátima, mas em Portugal: apoiarem-se os artistas profissionais. O amadorismo nunca deverá ter a pretensão de se equiparar a um nível profissional. Nas artes performativas, infelizmente, é o prato do dia. Será legítimo eu, que até fiz dois anos de engenharia, considerar-me engenheiro?
9. Tem alguma utopia cultural que gostaria de ver realizada no nosso meio?
Todas as pessoas terem acesso a um espectáculo por mês, sem para isso terem de se deslocar a Lisboa, à Figueira da Foz, ao Porto, a Coimbra...
10. Que projectos lhe ocupam de momento as energias?
Neste momento estou a coreografar a nova peça, juntamente com a Cláudia, para a companhia que dirigimos – VORTICE.Dance company. Chama-se “A Solo com os Anjos” e será apresentada em Fátima, dia 28 de Abril, no Auditório do Centro Paulo VI. Este espectáculo conta com o apoio do Santuário de Fátima. Esta peça irá estrear a 22 de Abril, no Theater Odeon, de Bucareste, e será também apresentada no Centro cultural António Aleixo, de Vila Real, no National Dance Theater, de Budapeste, no Brasil, numa digressão a realizar em Setembro, no CAE da Figueira da Foz, em Dezembro, e no Théatre de Fontainebleau, em Paris, a 18 de Janeiro de 2007, a convite do produtor da Ópera de Paris.
11. Que sugestões deixaria aos jovens que pretendam seguir uma área cultural?
Que não desistam, e que estejam certos que um artista profissional, seja em que área for, não se faz em três meses. O talento inato não basta, é necessário trabalhá-lo e aprender as técnicas. Já dizia Paco de Lucia (Músico), “necessito dominar a técnica, para depois me libertar dela”. Uma frase genial, de uma humildade tocante. |