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Fátima e Cultura
Que esperar da nova
Junta de Freguesia de Fátima?
O InforCEF convidou o Prof. José Manuel Neves Poças, que integra a nova Junta de Freguesia de Fátima eleita em Novembro de 2005, a apresentar aos nossos leitores o programa cultural desta entidade e a fazer o ponto de situação relativamente a esta área específica.
1. Quais são os seus principais interesses culturais?
É uma das mais difíceis perguntas que se pode fazer e como tal terei de ser generalista. Tal como dificilmente consigo ler apenas um livro de cada vez (tenho sempre dois ou três na mesinha de cabeceira), também todo o tipo de cultura me interessa, dependendo do projecto a realizar, a observar ou a fruir.
2. Para si, cultura é sinónimo de entretenimento?
O acto cultural mais profundo tem pouca espectacularidade. A cultura é uma coisa silenciosa para quem a usufrui por gosto. Há depois a cultura visível, mediática e projectada urbi et orbi, que tem de ser bem planeada para deixar de ser apenas frequentada pelas mesmas pessoas, para ser consumida como se fosse um produto “light”, intelectualóide.
3. Quais são as suas obras de referência?
As minhas obras de referência têm, neste inquérito, de ser de âmbito regional. Destacaria a nova basílica de Fátima que será, sem sombra de dúvidas, um marco na arte em Portugal; as pinturas de Irene Gomes, da Batalha, cuja obra plástica revela uma pureza e sensibilidade únicas e, para terminar, as cisternas da freguesia de Fátima, salientando, pela sua beleza, as de cobertura piramidal e oval.
4. A palavra cultura é extremamente polissémica: o que significa para si?
O francês Herroit dizia que “a cultura é tudo o que resta depois de tudo se ter esquecido”. No entanto, sem entrar em grandes reflexões, é senso comum que a cultura é tudo o que permite ao indivíduo situar-se em relação ao mundo e também em relação ao seu património natal. Sem cultura, uma terra é apenas um conjunto de casas e pessoas. Só a cultura, no nosso caso uma simbiose rural e urbana, lhe confere identidade. Cultura é, em síntese, fabricação e distribuição, criação e produção, espectáculo e fruição.
5. Pensa existir sensibilidade nos habitantes de Fátima para o consumo de bens culturais?
Na sua caminhada, uma terra tem sempre uma identificação comum de raiz colectiva que é uma espécie de âncora salvadora. Podemos, por vezes, parecer alheados mas, com o esforço de todos, podemos começar a construir andaimes culturais que permitam transformar um pouco a nossa freguesia. Temos associações dinâmicas (e por vezes muito esquecidas), temos uma geração jovem que estudou e regressou a Fátima, temos todo um potencial de terceira idade que urge colocar em sinergia. A sensibilidade também se cultiva. Neste ainda curto tempo (desde Novembro) que estou na Junta de Freguesia, tenho-me surpreendido com o esforço e dedicação de muitas pessoas a quem, infelizmente, não é dado o devido valor e destaque. Há ainda um grande comodismo e é mais fácil criticar do que arregaçar as mangas e contribuir, inovando.
6. Na sua opinião, a Autarquia tem apoiado suficientemente a cultura na Freguesia de Fátima?
Uma autarquia, e ainda mais nestes tempos de “apertar o cinto”, nunca pode apoiar suficientemente a cultura, até porque as carências são múltiplas e as pessoas exigem primeiro o conforto material e só depois o psíquico. A noção de subsídio deverá cada vez mais dar lugar à de financiamento, utilizando critérios e regras que incentivem à racionalização dos custos e resultados qualitativos e quantitativos a definir segundo a natureza dos projectos de e para a população.
7. Quais deveriam ser as prioridades culturais para Fátima?
A grande aposta é na multiplicação de “lugares artísticos de proximidade” e de cooperação com as colectividades locais, dar a cada um a possibilidade de desenvolver actividades criadoras.
A cultura não se limita a um mercado de consumidores privilegiados, na medida em que constitui uma dimensão da vida. Há que redefinir o campo de acção cultural, alargar a participação das populações, fazer com que as culturas tradicionais sejam preservadas e revitalizadas, promover a partilha de novas experiências e ideias culturais. Há tantas coisas que são feitas no nosso “quintalinho” privado e que poderiam ser apreciadas e usufruídas por todos….
Temos também de valorizar o património de âmbito local, recuperando lugares que fizeram parte do imaginário colectivo das nossas populações. Entenda-se aqui por património não só o edificado, de características históricas e monumentais em sentido estrito, como também a gastronomia ou outros saberes integrados no quotidiano das populações e que constituem a sua herança sociocultural.
As palavras-chave serão inventariação, preservação e potencialização da herança patrimonial e cultural da freguesia. Consegue-se isso com o alargamento da participação, da fruição e das oportunidades de acesso, através da educação, da animação, de diversificação multifuncionais.
Não podemos cair no método «à Procustes», que evoca o mítico salteador grego Procustes, que sujeitava os viajantes a um suplício original, deitando-os em dois leitos: os grandes no leito mais pequeno, os pequenos no maior; depois, cortava os pés dos maiores e esticava os membros dos pequenos para ajustá-los às dimensões de cada leito. Não é isto que se pretende, mas sim traçar um método (o termo grego methodos remete para hodos, caminho, via) claro de apoio, dentro das nossas possibilidades, às práticas amadoras, às associações culturais, à «cultura popular», às culturas étnicas e à «cultura jovem» - esta última como geração que traz em si continuidade mas sobretudo a renovação, o futuro.
8. Tem alguma utopia cultural que gostaria de ver realizada no nosso meio?
Fazer cultura é, também, questionar o tempo e o espaço, sonhar utopias e ousadias. Há que criar novas centralidades e por isso é muito bom sentir que toda a Junta de Freguesia comunga do sonho que tenho, há alguns anos, da criação dum centro cívico-cultural, onde a cultura possa ser entendida como fenómeno interdisciplinar, ligando-se à ciência, ao ambiente, ao turismo, ao desporto…. O Parque da Cidade é uma aposta que pretendemos concretizar, um espaço onde se entrecruze, por exemplo, uma maior ligação à Natureza (passeios pedestres, ciclovia), à cultura associativa (com espaço para as Associações e um anfiteatro para representações), à infância (parque infantil) e ao lazer (esplanadas). Um espaço que fosse de todos e para todos.
9. De que forma acha que se poderá concretizar esse “sonho”?
Temos de nos preocupar primeiro em criar e assegurar a «infra-estrutura cultural». Uma cidade, uma freguesia, é a soma de algumas contradições e sonhos que ficaram pelo caminho. Mas é necessário sabermos superar aquilo que nos divide e potenciar aquilo que nos une. Passar das palavras aos actos é uma das nossas dificuldades crónicas. Todos nós somos treinadores de bancada mas o nosso contributo para a comunidade reduz-se, muitas vezes, às conversas de café.
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