|
|
O nosso Pontificado
Prof. Armando Marques da Silva
O Preâmbulo do “Plano de Actividades” do CEF para o Ano Lectivo 2005-2006 professa a crença no papel da educação como chave para concretizar o sonho de quem quer “ser actor da própria história, cultivar o sentimento da solidariedade, lutar por uma sociedade mais justa e solidária e acreditar sempre no poder transformador da Educação”. E renuncia à adopção de modelos exclusivos como “visões redutoras e erradas que têm prejudicado enormemente o nosso sistema de Ensino” – comprometendo-nos a pugnar para “lançar Pontes para o Futuro”. Reconhece que “chegou o momento de fazer «pontes» para que os nossos educandos entrem no futuro e sejam felizes, descobrindo novos saberes e percebam a felicidade que é ser criador do futuro…”. E mais declara que “o nosso projecto pretende rasgar horizontes e demonstrar que é possível tornar realidade os nossos sonhos”. Segue-se a listagem das várias actividades apresentadas por cada Departamento, sem outras elaborações integradoras ou definidoras do suporte desse projecto de engenharia educativa que tal carga deverá aguentar. Mas é por certo louvável o propósito de sonhar com a construção de pontes, pois que, assim, algumas poderão de facto surgir e resistir. E valerá também a pena tentar, mesmo a posteriori, gizar, definir e calcular os alicerces desse projecto “pontifício”.
Vem de longe a técnica e o ofício do construtor de pontes de toda a sorte. Pontifex (pontífice) era o nome dado aos sacerdotes da Antiga Roma. Mas as funções dos pontífices consistiam mais na interpretação das leis, na vigilância dos costumes religiosos e na presidência de actos cívicos que em executar sacrifícios às divindades. Como Sumo Sacerdote de Roma, o imperador teve como título, a partir do ano 12 a.C., com Augusto, e até 375 d.C., o de Pontifex Maximus ou chefe dos construtores de pontes porque constituía uma ponte entre o povo e os deuses (cfr. “Roma Antiga” in Enciclopédia Visual Verbo, p. 52). Com a renúncia do imperador Teodósio a tal dignidade, o título “Sumo Pontífice” passou, desde o século V, a ser apanágio do Bispo de Roma (o Papa). Na qualidade de educadores de agentes de transformação do mundo interior e exterior nas suas múltiplas facetas, e como escola católica, temos agora nas mãos um projecto análogo de pontificado. Em que sapatas, não excluindo sonhos, assentará então essa nossa tarefa educativa para o triénio que iniciámos?
As essenciais são fáceis de intuir:
1. Imanência – significando interioridade: indica que as pontes educativas se constroem a partir de dentro, em inter-formação de todos os intervenientes. Por ordenação, interiorização e afirmação duma identidade consagrada em princípios, estatutos e modelos de acção compatíveis com a moldagem eficaz dos espíritos e das atitudes. Na sinceridade, na honestidade moral e intelectual, na coerência entre pensamento, emoção e acção, com consciência. Em interacção coexistencial, sem fingimento, presunção, superioridade, feudalismo ou manipulação. Seria bom que a escola funcionasse em rede como uma família; mas se não o conseguir, que funcione pelo menos como uma comunidade mutuamente construtiva.
2. Transcendência – significando reconhecimento do Outro: indica que as pontes educativas se constroem para acolher e aceder ao Outro. No relacionamento perspicaz e solícito com o mundo envolvente, procurando conhecer, reconhecer e responder às necessidades da realidade exterior. Implica que construir pontes educativas é também formar para fora: para o saber-fazer, o acolhimento, a tolerância, o respeito, a sensibilidade, a relevância e a correcção. Trata-se de um pilar que contempla toda a realidade: familiar, social, cósmica e espiritual. Envolve naturalmente também a educação religiosa, para o relacionamento com o Supremo, hoje de tantas maneiras abusado, explorado e caricaturado. Construção urgente esta, sobretudo no contexto do fundamentalismo violento e do materialismo pragmático. Ainda admira que, de entre os milhares de metros cúbicos de betão enterrados no complexo educativo, Ele não tenha, na escola, uma pequena sala, qual mini-centro, pelo menos ecuménico, em que quem o queira, possa falar, recolhido, com “a divindade de sua escolha”.
3. Transparência – significando abertura: indica que as pontes educativas se constroem em pratos limpos. Nas avaliações das pessoas, na manifestação dos motivos, na sinceridade dos relacionamentos, na dialogicidade contratual, promocional, compensatória e funcional, na igualdade de oportunidade, na renúncia às influências das elites, da informância, da maledicência, da delação, da subserviência, favorecendo a democracia da pertença e da dignidade. O ser racional trabalha com «porquês», que nunca podem ser soterrados numa escola “pontifícia”, sob pena de favorecer a irracionalidade, o ressentimento e o desmoronamento. Pontes constroem-se às claras, a céu aberto e no diálogo dos artífices.
4. Eficiência – significando o máximo de produção com o menor desgaste de recursos. Implica investir no saber, aferindo o rendimento, cuidando da manutenção, fazendo e gerindo inventários, afinando metodologias, potenciando a relação professor-aluno, apoiando decididamente a disciplina, conservando a energia e fortalecendo as fontes do saber – de capa dura, mole ou silicónica – e fornecendo formação actualizada “topo-de-gama”. Pontes educativas constroem-se na consciência da limitação dos recursos, num mundo de necessidades crescentes.
5. Excelência – significando optimização da qualidade. Implica a prática da exigência, o treino para “o máximo”, recusando a complacência com classificações duvidosas; estimulando cada um a dar do seu melhor; reconhecendo os talentos e a experiência; inspirando à perfeição do “como é perfeito o vosso Pai que está nos céus”; e fazendo sinergias operantes. Pontes educativas têm que ser duradouras, intergeneracionais e ter classe. Exigem alta qualidade e alta resistência, pois que devem desafiar os tempos, as pessoas, as ideologias.
Utópico? Também o parecia a profecia da ressurreição. Mas é destas estruturas que é feita a realidade transformada. E isto será razoável esperar duma escola cristã que se declarou “pontifícia”.
Páscoa de 2006, Ano 01 do nosso Pontificado.
|