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As pontes a construir na nossa vida
Prof. José Manuel Poças das Neves
Nietshe dizia que “a grandeza do Homem está em ser ponte e não um final”. Hoje em dia, numa sociedade em que nos deparamos com o vazio de ideários, a deslumbrante beleza da liberdade não está no facto de nos tornar livres, mas de nos tornar livres para. Mundializam-se os interesses económicos, mas não se consegue mundializar o interesse pelos direitos básicos da pessoa humana. O mundo unifica-se no que diz respeito aos cartões de crédito ou à Internet, mas continuamos incapazes de afrontar, de maneira global, a fome, a guerra, o respeito pelas liberdades públicas e a discriminação racial ou sexual. Lembre-se a propósito o que aconteceu recentemente no Porto com a morte de uma pessoa às mãos de um grupo de adolescentes ou o facto alarmante de Ourém ser o concelho do distrito de Santarém onde se registam mais casos de violência doméstica (55 ocorrências em 2005, in "O Ribatejo", de 3 de Março de 2006).
Compete-nos pois, a todos nós, centrarmo-nos nos défices e nos problemas do presente, perspectivando um futuro melhor. Já o renascentista Picco della Mirandola falava da dignidade do homem (Discurso sobre a Dignidade do Homem), da necessidade de descobrirmos por nós mesmos, como é o mundo que nos rodeia e onde vivemos e de interferirmos com a nossa acção, com as nossas convicções e as nossas descobertas, procurando torná-lo um mundo melhor, onde possamos sentir-nos livres e realizados. Hegel já nos ensinava que “ser livre não é nada, tornar-se livre é tudo”.
O CEF resolveu adoptar, para o seu projecto educativo de três anos, o tema “Construir Pontes para o futuro”. É nossa convicção ser possível construir uma educação onde as pontes para o futuro possam assentar em pilares católicos, de valorização integral do indivíduo enquanto jovem. Antes de mais nada, a educação é a revelação dos outros, da condição humana. Podemos transmitir o conhecimento, mas não a sabedoria. Essa adquire-se à nossa custa. E à custa dos outros. E da alteração essencial dos olhos com que vemos a vida.
Se é verdade a célebre máxima que «durante muitos anos não envelhecemos, crescemos», trata-se de descobrir sabendo, de comunicar com o outro. Agostinho da Silva dizia que “a matemática devia começar pelo número dois, porque toda a nossa experiência é isso, eu e o outro.” É a aposta naquilo que eu chamaria uma vivência de contactos. Não deitar nada fora! Mas ir-lhe acrescentando coisas e a possibilidade de formar pessoas que criem pontes para saber, para aprender e para ensinar. Mia Couto, num texto elaborado para crianças lusófonas, integradas no programa interescolar «ciência viva», referia que “os processos vitais exigem, ao mesmo tempo, o rigor e o erro. Não podemos ter medo de não saber. O que devemos recear é o não termos inquietação para passarmos a saber”.
Construir pontes é também a capacidade de estar disponível para escutar, essa magnífica capacidade de nos deslumbrarmos, de tirarmos prazer do que fazemos. Isso só pode acontecer se vivermos intensamente o que fazemos. Um Homem não é uma margem que apenas existe de um ou de outro lado. Um Homem é uma ponte ligando as diversas margens, tendo bem presente o lema de Santo Agostinho - “Procurar como quem deve encontrar e encontrar como quem deve continuar a procurar”. Aprende-se a viver praticando a vida. Sem nunca parar de aprender. Sem nunca ter o sentimento de ter chegado. Com o gosto da descoberta.
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